22 de fevereiro de 2008

E agora, Raúl?

O dia 19 de Fevereiro foi marcado por uma notícia bombástica: após quase cinco décadas no poder, Fidel Castro renunciou ao poder devido aos seus problemas de saúde. Raúl Castro, vice-presidente que vinha dirigindo o país desde julho de 2006, quando o revolucionário golpista afastou-se provisoriamente do poder, tornou-se definitivamente o presidente da ilha socialista. Há certo clima de incerteza quanto ao futuro de Cuba, embora que as perspectivas tendam ao otimismo; é como se todos, dos cubanos de Havana aos de Miami, passando pelos presidentes europeus e pelos democratas e republicanos norte-americanos, olhassem no fundo dos olhos do irmão de Fidel e perguntassem: “e agora, Raúl?”
Ao que tudo indica, a estratégia de Raúl é de tentar reconciliação com os Estados Unidos, país de quem Cuba sofre embargo econômico desde os distantes tempos de auge da Guerra Fria. Também parece estar tentando construir uma imagem de líder mais moderado que Fidel, talvez como parte integrante da sua estratégia de aproximação com os norte-americanos.
Certa vez, numa visita de Lula à Cuba, ainda em 2006, Raúl pediu que o presidente brasileiro fosse mediador do diálogo entre Cuba, Venezuela e EUA. E porque o líder de um regime fundado sob os alicerces do comunismo priorizou o diálogo com o Brasil ao invés da Venezuela chavista, com a qual desde Fidel possui relações mais estreitas e maior afinidade ideológica? Sugiro a análise de Kennedy Alencar como resposta: “Logo, [o Brasil] poderá ser mais útil do que Chávez, líder em conflito com os Estados Unidos e com a Colômbia. (...) [Raul] vê em Lula uma forma de se descolar um pouco de Chávez sem melindrar o venezuelano. Afinal, são antigos e fortes os laços de amizade de Lula e do PT com Fidel e Cuba”.
É isso o que deseja, Raúl? Tornar-se um bom vizinho, a imagem e semelhança da opinião pública externa sobre o Brasil? Tudo isso, para quê? Ajudar na reorganização nacional cubana, aumentar o investimento estrangeiro no país sem perder aliados estáveis, suspeito. Por que, Rauzito? Deseja mudar o rumo da revolução em marcha (ou que está parada) desde 1959?
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema E agora, José?, nos conta a história de um homem que de repente fica só e sem nada a que se apoiar. O poeta alfineta a súbita angústia existencial do personagem repetindo a mesma pergunta: “e agora, José?”, como que falando: “diz aí, o que você vai fazer então?”.
Raúl, de repente, passa a liderar sozinho uma Cuba, que aparenta ter parado no tempo, que pretende modernizar e necessita conquistar algum auxilio externo para sustentar esse projeto. Sem o irmão e sem o apoio de nações estrangeiras fortes, Raúl se encontra na mesma situação do José da poesia de Carlos Drummond de Andrade.
A expectativa global é de uma transição política e econômica em Cuba, inclusive sendo expresso como desejo por diversas autoridades políticas. Porém, o quem sabe o que virá? Haverá democratização? Moderação do regime? Ou será tudo apenas ilusão e a ditadura permanecerá igual, senão pior?
Diz aí, Raúl, o que você vai fazer então?
E agora, Raúl?
*****
Considerações Finais: Antes de mais nada, gostaria de divulgar o endereço do artigo do Kennedy Alencar que citei no meu texto: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2002200812.htm . Infelizmente, só assinantes da UOL podem lê-lo.
Quanto ao artigo, bem, procurei experimentar um jeito um pouco mais criativo e informal de escrever dissertações. Espero que tenham gostado do resultado.

12 de fevereiro de 2008

Acorde!



Perante o corpo estático
de face pálida, lábios roxos
esboçando um sutil sorriso
e pálpebras repousadas -
como se, vivo, dormisse
e, dormindo, sonhasse
e, no sonho, se deliciasse
- Paraliso-me perturbado

Ah, revoltante paz!
Da tumba que agora jaz
desejo mandar-te levantar
ordenar aos berros que acorde

Mas nada faço
apenas, parado,
fito com olhar perdido
o tranqüilo finado

*****

Comentário Final: Os leitores de mais longa data já devem estar estranhando a quantidade de poesias que venho postando ultimamente e, quem sabe?, até sentindo saudades das minhas crônicas e contos - isto é, se sentem algum tipo de saudade do que coloco aqui no Textando. Esclarecendo a inusitada situação: embora ainda tenha inspiração para a prosa, não tenho conseguido inspiração para terminar as que começo; por outro lado, a inspiração para os versos, apesar de não ser tão intensa e frequente quanto é para contos e crônicas, ainda assim é suficientemente animadora para me fazer conseguir terminá-la. Afinal, é menos demorado um poema do que um texto em prosa, não?

Bem, sobre a poesia acima em específico, não gostaria de falar muito sobre ela. Só basta ao leitor saber que se trata de uma memória um pouco envelhecida, coisa de um ano e pouco mais ou menos, mas ainda muito forte na minha mente. Já escrevi sobre a experiência na crônica O Cadáver no Caixão. Espero que gostem dela.