Nas
profundezas minha caverna, encontrava conforto. A escuridão absoluta, o ar
fétido e putrefato e o silêncio mórbido afastavam mesmo os seres repugnantes
que se atraem pelas trevas e decadência. Distanciado do contato com os mortais
e dos jogos de vaidade e poder dos imortais entediados, bastava-me a observação
passiva de alento à solidão.
Jamais senti o prazer do sexo,
mas já me satisfiz acompanhando orgasmos reais e simulados. Não tomei partido ante os
horrores da guerra, mas acompanhei embates entre tropas e bombardeios. Nunca me
identifiquei com grande causa, mas estive ao lado de revoltosos,
revolucionários e conspiradores. Toda emoção que sentia se resumia à experiência
do espectador, não do envolvido. Se, por
vez ou outra, atraiu-me a possibilidade de verter sangue e disseminar a dor
apenas por poder fazê-lo, no fim das contas acabava optando por prosseguir na
quietude. Era demasiadamente indiferente ao destino, julgava que qualquer ação causaria
mais estorvo do que deleite. Minha vista a tudo alcança; esse meu olhar
infinito a mim bastava.
Mas eis que um dia, os homens
descobriram algo na minha caverna. Aparentemente, julgavam que as pedras que
abundavam em meu recinto eram suficientemente valiosas para justificar os
riscos da aventura em paragens hostis, de esgueirar-se nas trevas e na
podridão, de promover a discórdia beligerante entre seus iguais, da exploração sem
compaixão dos fracos e do enfrentamento de uma entidade ancestral que ali
residia cujo poder não conseguiam dimensionar.
Poderia ter esmagado seus crânios
com seus próprios martelos, rasgado suas frágeis carcaças com seus próprios
serrotes e perfurado cada um de seus órgãos com suas próprias brocas. Minha
caverna se transformaria em masmorra, a tortura se incorporaria à minha rotina
pelas eras, os pesadelos que proporcionaria vingativamente seriam meu
deleite... Em suma, eu seria capaz de causar sofrimento incomensurável pela
ousadia tola de infringir meu isolamento voluntário. Mas qual seria a serventia
de tal esforço?
Aprisionaram-me. De meu
confinamento, observo a gradual destruição da minha antiga morada. Os mortais
ainda hão de construir paredes que possam efetivamente me conter. Apenas a
vontade seria suficiente para que as pedras do cativeiro se vertessem em poeira
e que dos meus vigias restassem apenas os ossos. Porém, com qual propósito? Liberdade?
Ilusão dos mortais para se proverem de algum ímpeto por realizações que, na
verdade, jamais usufruirão; distração fútil para existências tão efêmeras. Se
para mim basta querer para tudo fazer, só encarceram-me porque nada tenho a
obstar.
O afã predatório da espécie
causará sua ruína. Um dia, sobrará pouco mais que memória, arrependimento e
lamento da miséria que trouxeram a si mesmos. Ou não. Aguardo indiferente à
conclusão da tragédia humana para, em seguida, decidir o próximo alívio ao
absurdo e ao tédio perpétuos.